Eles não sabem que nós sabemos que eles sabem que nós sabemos.
Ou ainda: A caixa de e-mails do Rubinstein está cheia.
Phoebe: I'll have to get back to you on that. Okay, bye! (Hangs up.) Oh my God! He wants me to come over and feel his bicep and more!
Rachel: Are you kidding?!
Phoebe: No!
Rachel: I can not believe he would do that to Mon—Whoa! (She stops suddenly and slowly turns to point at Joey. Joey is avoiding her eyes.) Joey, do they know that we know?
Joey: No.
Rachel: Joey!
Joey: They know you know.
Rachel: Ugh, I knew it! Oh I cannot believe those two!
Phoebe: God, they thought they can mess with us! They're trying to mess with us?! They don't know that we know they know we know! (Joey just shakes his head.) Joey, you can't say anything!
Joey: I couldn't even if I wanted too.
— 05x14 - The One Where Everyone Finds Out, Friends
Nesse episódio de “Friends”, Phoebe descobre que seus amigos Chandler e Mônica estão namorando em segredo. Junto com sua amiga Rachel, Phoebe decide incomodar o casal fingindo estar interessada em Chandler. Ao constrangê-lo tentando seduzi-lo, ela espera que ele confesse que está namorando a Mônica.
A comédia de erros se desenrola quando Chandler conta para Mônica que a Phoebe está dando em cima dele. Rapidamente, Mônica se dá conta de que “elas sabem” do relacionamento dos dois e convence seu namorado a continuar a brincadeira. Ela sugere que ele corresponda aos avanços de sua amiga, afinal: “Eles não sabem que nós sabemos que eles sabem”, diz ela. O jogo ganha mais um nível de complicação quando as amigas Rachel e Phoebe descobrem através de Joey que o casal descobriu que elas sabiam de tudo. Mesmo assim, Phoebe decide continuar a brincadeira e diz uma das frases mais famosas do seriado: “Eles não sabem que nós sabemos que eles sabem que nós sabemos!”
A brincadeira só termina quando Chandler e Phoebe estão quase se beijando e ele decide confessar tudo na presença de todos os envolvidos. Curiosamente, a brincadeira prosseguiu mesmo com todos os cinco envolvidos (Phoebe e Rachel, Mônica e Chandler e Joey) sabendo do segredo original durante todo o tempo.
Como é possível isso?
Muitos e-mails
[MUSIC CUE: "LISTEN TO YOUR HEART" by ROXETTE]
O ano é 1989 e você e sua amiga estão decidindo se vão a uma festa, mas existem alguns problemas. O primeiro deles é que vocês conhecem poucas pessoas na festa e, portanto, só vale a pena ir se vocês forem ao mesmo tempo. O segundo problema é que vocês estão em regiões diferentes da cidade e a única forma de comunicação é através de e-mails. E-mails em 1989 eram bem menos confiáveis do que hoje e existia uma chance (pequena) de que eles não chegassem ao seu destinatário1.
Você manda um e-mail para a sua amiga dizendo que você pretende ir à festa, mas que irá apenas se ela também for. Suponha que o e-mail chegue e seja lido pela destinatária. Nesse caso, a amiga iria à festa ou não? Embora a ela tenha lido sua mensagem e saiba da sua intenção, mesmo assim não é claro que ela deva ir à festa. A razão é simples: ela se dá conta que você não sabe se a mensagem chegou ou não. Em outras palavras, “você não sabe que ela sabe da mensagem”.
Para tentar eliminar esse problema, sua amiga manda um e-mail resposta confirmando que irá na festa. Suponha que o e-mail de confirmação seja recebido por você. Isso resolve o problema? Infelizmente, a resposta é não. Embora o e-mail de confirmação tenha lhe informado que a sua amiga sabe da sua intenção de ir à festa, uma outra dúvida aparece. A sua amiga não sabe que você sabe que ela sabe da mensagem inicial. O que fazer então? Mandar outro e-mail? Uma “confirmação do recebimento da confirmação do recebimento”? Bem, o leitor logo perceberá que isso só vai levar o problema para uma nova dúvida, mais abstrata. A amiga se dará conta que você não sabe que ela sabe que você sabe que ela sabe da sua mensagem inicial.
Comunicação imperfeita
A origem do problema que aflige sua amiga e você está no meio de comunicação não confiável. A incerteza sobre a mensagem ter chegado ao destinatário impede que os dois tenham um conhecimento comum sobre as intenções um do outro. Ou seja, um telefonema resolveria o problema.
No episódio de Friends, o papel do e-mail é desempenhado pelo amigo comum do casal e da Phoebe e Rachel. Joey é o sujeito que transita entre os dois grupos, informando acidentalmente o que cada um deles sabe. Ele informa um e depois o outro e, mesmo assim, o jogo não termina, pois sempre é possível que um dos grupos explore o novo nível de dúvida.
Voltando para o exemplo da festa, a diferença entre "um telefonema" e os “um milhão de e-mails confirmatórios” é o que motivou o economista Ariel Rubinstein2 a fazer uma distinção entre “conhecimento comum” e “quase conhecimento comum”. No primeiro caso, os dois agentes adquirem um nível de conhecimento que extingue qualquer dúvida sobre a coordenação. Depois do telefonema, sua amiga sabe que você irá na festa, sabe que você sabe que ela sabe que você irá na festa... ad infinitum e vice-versa. No caso dos e-mails, isso nunca será atingido, por mais e-mails que sejam trocados.
O resultado não é intuitivo e por isso é tão curioso. Note que a diferença entre um telefonema e muitos de e-mails trocados (ou muitas conversas com o Joey) é ínfima. No entanto, ela é grande o bastante para gerar problemas reais de coordenação entre pessoas. Ah… além disso, ela também pode gerar um episódio clássico de Friends.
Os problemas com os e-mails de antigamente são a origem da desculpa tão esfarrapada quanto popular: “ah você mandou e-mail? Poxa, não recebi…”. Com o aumento da confiança nesse sistema de comunicação, a desculpa evoluiu para “… talvez tenha caído na caixa de spam…”
Ver The Electronic Mail Game: Strategic Behavior Under "Almost Common Knowledge". American Economic Review, Vol. 79, No. 3 (Jun. 1989).