Mais estranho que a ficção
Robert Lucas nos ensinou como um economista deve contar uma história.
[Banheiro -- Manhã]
[Harold está mais uma vez escovando os dentes meticulosamente.]
Narradora: Se alguém tivesse perguntado a Harold, ele teria dito que quarta-feira foi exatamente como todas as quartas-feiras anteriores. E ele começou da mesma forma que el..
[Harold para de repente, assim como a narração. Ele começa a olhar em volta, obviamente ouvindo algo. Ele faz uma pausa e escuta. Não há nada ali. Ele retoma a escovação. A narração recomeça também.]
Narradora (continua): E ele começou da mesma forma que sempre fazi..
[Harold para novamente e a narração para abruptamente com ele. Ele definitivamente ouve alguma coisa. Ele olha para a escova de dentes.]
Harold: Alô?
— Mais Estranho que a Ficção (2006)
Não era a escova de dentes que estava falando com Harold. Na verdade, ninguém estava falando com ele, mas, sim, sobre ele. No filme Mais Estranho que a Ficção (Stranger Than Fiction) de 2006, Harold Crick, um sujeito que levava uma vida monótona e solitária como auditor da receita federal, começa a escutar a voz de uma mulher que parece estar narrando a sua vida. A cada instante, Harold ouvia descrições sobre suas ações, além de comentários sobre sua personalidade e pensamentos.
Não é necessário dizer que Harold achou aquilo tudo muito estranho. Primeiro ele pensou estar sendo seguido por alguém e, depois pensou estar maluco. No entanto, a perplexidade de Harold não o impediu de prosseguir, na medida do possível, com sua rotina diária, mesmo que ela fosse comentada o tempo todo por uma narradora. Algum tempo passa e o protagonista estava quase se acostumando com a situação. No entanto, quando ele estava voltando para casa e parou para acertar o seu relógio, a voz etérea deixa escapar uma informação que nenhum de nós gostaria de ouvir:
[Harold ajusta rapidamente seu relógio para 5:47 e salva.]
Narradora: Então o relógio de Harlod o colocou à mercê do caminho imutável do destino. Pois, ao acertar a hora de seu relógio, Harold mal sabia que esse ato simples e aparentemente inócuo resultaria em sua morte.
[O ar é sugado para fora de Harold quando ele ouve isso.]
Harold: O quê?
[Ele olha para cima.]
Harold: O quê?! ei! [pausa] Você... Você acabou de... Você disse que isso acabaria resultando na minha morte?! Resultaria... Me desculpe... Olá — você disse na minha morte? [pausa] Alô?
— Mais Estranho que a Ficção (2006)
Conforme explicará Hilbert — o professor de literatura a quem Harold acaba recorrendo em desespero para tentar entender sua situação (a narração tinha estilo de prosa literária) — a expressão “mal sabia que” significa que o narrador é onisciente, ou seja, que ele sabe de coisas que o personagem da história não sabe no momento. O narrador sabia não apenas que Harold iria morrer, o que, francamente, não é novidade para nenhum humano, mas também como e quando ele iria morrer.
Apesar de saber que mais cedo ou mais tarde todos acabam morrendo, ao ouvir a narração colocando sua vida em uma perspectiva temporal finita, Harold é atingido por uma profunda ansiedade. Ele precisava saber o que estava acontecendo. Todos os seus planos traçados até aquele momento foram colocados em suspensão. Em certo sentido, a vida de Harold começara ali. O resto do filme conta justamente a jornada de Harold para entender o que esta acontecendo.
Um exercício de imaginação
Tente se coloque no lugar de Harold. Suponha que sua vida tenha um sentido. Imagine que você faz parte de uma história escrita por alguém. Como em toda boa história, os personagens tem um arco, um caminho a percorrer. Um início, um meio e, sobre tudo, um fim. Além disso, imagine um narrador onisciente que comunica ao leitor informações sobre a história que ainda podem não ter acontecido com você. Agora imagine que você, na condição de personagem, começa a ouvir o narrador. O que você faria? Na condição de personagem, você é capaz de tomar decisões, mas, ao mesmo tempo, o narrador da sua história é onisciente, ou seja, ele sabe o rumo e o significado da história. Portanto, as escolhas que você faz e o arco criado pelo narrador precisam, de alguma forma, coincidir no final. Pelo menos é isso que se esperaria numa boa história desse tipo. A lógica do universo em que você vive precisa ser integrada nas suas ações e estas, por sua vez, são integradas na lógica do universo (e vice-versa).
Pala ilustrar essa ideia, consideremos uma situação em que os planos do narrador e do personagem não coincidiriam se o último pudesse ouvir o primeiro. Consideremos o destino de um importante personagem do “O Poderoso Chefão”. Nesse filme, não há narrador onisciente para ser ouvido por alguém, mas vamos supor que ele existisse. Vamos supor que Sonny Corleone, o filho mais velho de Don Vito, conseguisse ouvir a narração do roteirista Mario Puzo sobre sua vida. Suponha que ele tenha ouvido uma voz dizer que Carlo, cunhado de Sonny, bateria na sua irmã Connie com intuito de fazê-lo cair numa armadilha elaborada pela família Tataglia Barzini. Essa informação mudaria o comportamento dele? Muito provavelmente sim. Sonny era um sujeito colérico e pouco cerebral, ao contrário do seu irmão Michael, mas mesmo ele teria agido para evitar seu destino. Aqui, as decisões do agente e os planos do narrador certamente iriam divergir e o “menino” de Don Vito não seria massacrado. Podemos ir mais além: mesmo que Mario Puzo tivesse contado a história inteira de O Poderoso Chefão, Sony não teria escolhido parar naquele pedágio. É seguro dizer, portanto, que a narrativa e a experiência individual estariam desintegradas.
***
Se o narrador “convive” com os personagens (se eles sabem da existência de um narrador), então a experiência individual dos últimos deve ser integrada com a narrativa do primeiro. Embora esse insight já existisse na filosofia pelo menos desde “As Confissões”, a formulação e aplicação dessa ideia para a ciência econômica é uma das maiores contribuições do economista Robert Lucas (1936-2023), prêmio Nobel de Economia e um dos economistas mais influentes do século XX. Um de seus trabalhos mais impactantes, intitulado “Econometric Policy Evaluation: A Critique”, o professor de Chicago explicita o problema de se fazer modelos teóricos e previsões sobre pessoas que justamente convivem com (e fazem!) modelos e teorias.
A Crítica de Lucas e as Expectativas Racionais
Robert Lucas nos conta em “What Economists Do” que todo teórico de ciência econômica é um narrador, um contador de histórias. A Crítica de Lucas argumenta que essas histórias são do tipo em que o narrador é ouvido pelos próprios personagens. Isso não acontece em toda ciência. O economista difere de um astrofísico que estuda os orbes celestes, pois galáxias e planetas não tem consciência, não agem e não tem expectativas sobre a realidade. Quando falamos de pessoas, no entanto, as expectativas delas sobre a realidade influenciam suas ações e ambas são fundamentadas nas crenças que elas têm sobre relações de causa e efeito na realidade. Ou seja, os personagens também contam histórias e, portanto, entendem o narrador.
Se isso é verdade, então quando um teórico vai narrar uma história através de um modelo que envolva seres como ele próprio, é prudente que ele adicione ao seus personagens a possibilidade deles formarem expectativas sobre o mundo do mesmo jeito que ele forma as suas. Por isso, essas expectativas não podem ser qualquer coisa, algo de livre escolha do teórico. O autor da história não pode limitar artificialmente o que seus personagens vão levar em conta na hora de formar suas expectativas. As pessoas da história formam expectativas usando o mesmo modelo, a mesma história do narrador. É isso que os economistas chamam de “Expectativas Racionais”, ou, como Thomas Sargent costuma definir em suas aulas: Communism of Beliefs. A ideia é que um modelo consistente da realidade precisa deixar as expectativas dos agentes livres para serem formadas levando em conta que eles mesmos sabem que existem um modelo. É um “comunismo de crenças” porque, em tese, todos estão livres para formar suas expectativas dado o conhecimento disponível. Se o narrador sabe como o mundo funciona, os indivíduos também vão acabar sabendo.
Um Parque de Diversões
Para ilustrar melhor o que isso significa, podemos fazer uso da história contada por Robert Lucas em seu ensaio “What Economists Do”. Nele, o professor nos convida a imaginar um parque de diversões em que, para andar em cada brinquedo, você precisa gastar tickets ao invés de dinheiro. Os tickets são adquiridos na bilheteria da entrada do parque. Eles correspondem a uma “moeda” interna daquele lugar. Na economia do parque diversões, pouco importa a taxa de câmbio entre tickets e Reais, desde que o nível de preços de cada brinquedo (quantidade de tickets para usá-lo) varie de acordo, de tal sorte que o custo em Reais fique igual. Em outras palavras, tanto faz se o passeio no carrossel custe cinco tickets e cada ticket custe um real ou se ele custe dez tickets, mas cada ticket custe cinquenta centavos. O que importa é que o custo em Reais, R$ 5,00, continua o mesmo.
Em um domingo qualquer, imagine que o dono do parque vá até a bilheteria e mude a taxa de conversão entre Reais e tickets de, por exemplo, “um ticket por um Real” para “cinco tickets por um Real”, ou seja, uma “apreciação” do Real frente aos tickets do parque. Ao mesmo tempo, suponha que o dono reajustasse todos os preços de cada brinquedo para cima na mesma proporção, ou seja, se antes o carrossel custava cinco tickets, agora ele custa vinte e cinco. O que aconteceria com o movimento nesse parque?
Bem, se a primeira coisa que as pessoas observam é a redução de preço dos tickets (precisar de menos Reais para comprar um ticket), então é razoável supor que a quantidade de tickets vendidos aumente. É possível imaginar que as pessoas comprem mais tickets do que antes, pensando que vão conseguir andar e mais brinquedos a um custo relativamente menor. Por quê? Porque as pessoas esperavam que os tickets necessários para andar nos brinquedos tivesse continuado o mesmo.
Se um economista fosse medir o movimento do parque nesse domingo, ele descobriria que ele foi maior do que o dos demais domingos. Em certo sentido, o economista poderia dizer que o dono gerou um boom econômico em seu parque, com mais gente indo em mais brinquedos mais vezes. No entanto, esse efeito não passaria daquele domingo. Por quê? Porque assim que as pessoas entraram no parque, elas se deram conta do que aconteceu: na prática, nada ficou mais barato, apenas o nível de preços (poder de compra do ticket) diminuiu frente aos brinquedos e ao Real. Sendo assim, as pessoas imediatamente ajustariam suas expectativas ao novo nível de preço e, como consequência, mudariam suas ações. De fato, se o dono do parque de diversões contasse o que ele fez antes de abrir o parque, não haveria boom algum. Ele contava que as pessoas tivessem uma expectativa errada sobre o nível de preços.
Teorias Inconsistentes
Segundo Lucas, o modelo do Parque de Diversões é uma analogia para a economia real. Teorias econômicas cujas previsões são alicerçadas em expectativas arbitrárias dos agentes, são inconsistentes. Por exemplo, uma forma arbitrária de colocar expectativas numa teoria econômica é dizer que os indivíduos sempre vão esperar que o aumento de preços de hoje (inflação) será igual ao aumento passado. Ou seja, uma expectativa adaptativa. Aplicada ao parque de diversões, isso seria como se, no próximo domingo, as pessoas esperassem que os tickets ficassem novamente cinco vezes mais desvalorizados em relação ao Real e aos brinquedos, pois foi isso que aconteceu no domingo passado.
Uma teoria que propõe esse tipo de expectativas adaptativa ainda permite que o proprietário do parque de diversões consiga aumentar o número de pessoas no seu estabelecimento. O jeito de fazer isso é muito simples: se ele sabe que as pessoas sempre esperam encontrar a inflação de tickets do último domingo, então é só ele inflacionar os tickets por um valor ainda maior, no caso, maior do que cinco vezes. Desse jeito, ele consegue “enganar” as pessoas fazendo-as achar que o preço das atrações do parque ficaram menores em Reais e, portanto, estejam dispostas a comprar mais.
Esse tipo de hipótese sobre expectativas, no entanto, não sobrevive no mundo em que narrador e personagem coexistem. Se as pessoas soubessem o que o dono do parque está fazendo, elas não continuariam formando expectativas olhando apenas para o retrovisor, isto é, apenas para o domingo que passou. Nesse mundo, as pessoas olhariam para trás e para frente, internalizando dentro de si a história que está sendo contada e, a partir daí, tomando a decisão. Como diz Thomas Sargent, sob Expectativas Racionais, “todos os agentes dentro do modelo, o econometrista e Deus dividem o mesmo modelo”. O narrador não é melhor do que seus personagens. Isso significa que as expectativas dos agentes precisam, mais cedo ou mais tarde, internalizar a mecânica do mundo em que vivem. Tanto os agentes quanto o econometrista vão aprender, uma hora ou outra, o “modelo” que Deus criou e do qual eles igualmente fazem parte. Ninguém vai continuar indo naquele parque achando que ficou mais rico em termos de brinquedos. Como resultado, o dono do parque de diversões não vai conseguir aumentar a demanda.
Um Ponto Fixo na História
Harold: (…) Eu li [o final da história]. E eu amei. E só existe uma forma que ela pode acabar. Ela termina comigo morrendo. Quero dizer, eu não tenho um background em literatura… nada, mas isso parece ser simples o bastante.
[Ele entrega o manuscrito para a narradora]
Harold: Eu amei o seu livro. E eu acho que você deveria terminá-lo.
— Mais Estranho que a Ficção (2006)
Neste momento da história do filme, Harold já havia tido a oportunidade de conhecer a narradora, a qual vivia no mesmo mundo que ele. Ela era uma autora de romances. Além disso, ele havia recebido o manuscrito contendo as páginas da finais da história, isto é, as páginas finais da sua história. Ao lê-las, Harold internaliza a lógica do mundo em que vive e responde de forma consistente com ela. As páginas finais fazem sentido para ele e, dessa forma, suas expectativas e ações estarão levam a sua realização. Você poderia dizer que, neste ponto da história, ele aceitou seu destino e vice-versa.
Uma teoria econômica que supõe Expectativas Racionais para seus agentes precisa funcionar mais ou menos da mesma forma. É necessário que exista uma coincidência entre crenças dos indivíduos sobre o resultado do modelo e o resultado gerado pelas ações induzidas por essas crenças. As crenças sobre o mundo motivam as ações dos agentes, e estas produzem um resultado. Esse resultado precisa ser consistente com o que os agentes esperavam, caso contrário, os agentes não agiriam da forma que agiram. A estrutura do modelo é integrada dentro do personagem e suas ações, por sua vez, são integradas na estrutura.
Para ilustrar esse ponto, vamos voltar para o parque de diversões. Dessa vez, esqueçamos do experimento de preços e vamos nos concentrar nas decisões dos personagens sobre qual é o melhor dia e horário para visitar o parque. Vamos imaginar que os personagens não gostam de um parque cheio, pois ninguém gosta de ficar esperando nas filas e, em geral, ninguém gosta de andar no Barco Viking depois que muita gente já vomitou ali. Além disso, vamos imaginar que ir até o parque é custoso, pois ele exige um certo tempo de viagem e o estacionamento é pago. Nesse contexto, as suas expectativas sobre o movimento no parque são muito importantes para decidir o que fazer. Para formar essas expectativas, os indivíduos precisam fazer um modelo mental sobre quantas pessoas irão ao parque. Eles precisam contar uma história para si mesmos sobre isso. Nessa história, eles são narradores, mas também são personagens.
Quantas pessoas irão ao parque? Sob a perspectiva do narrador, o total de pessoas no parque depende das decisões individuais de cada pessoa sobre “ir ou não ir” ao parque. Sob a perspectiva dos personagens, essas ações, por sua vez, dependem, em parte, de suas expectativas sobre o total de pessoas no parque. As expectativas, portanto, precisam estar no modelo. E como será formada a expectativa das pessoas sobre quantas pessoas irão ao parque? Enquanto narrador, o indivíduo poderia colocar alguma expectativa ingênua como, por exemplo, “as pessoas vão esperar o total de pessoas do dia anterior”, mas, ao fazer isso, ele está se excluindo do próprio modelo. Ele deixa de ser um personagem que decidiu pensar no modelo justamente para disciplinar suas expectativas. Se ele usa um modelo, porque diabos os habitantes do mundo dele não farão o mesmo?
Então qual é a forma correta de falar sobre expectativas? Ela começa por excluir qualquer forma que não serviria para formar as expectativas do próprio narrador. Ao se reconhecer como personagem, o narrador precisa admitir o óbvio: os habitantes da sua história também usam modelos. Muito embora cada pessoa tenha suas preferências (tolerância por esperar em filas, por exemplo), todas vivem no mesmo mundo e, muito provavelmente, foram expectativas mais ou menos da mesma forma: Finais de semana são mais cheios do que dias de semana, pois muitas pessoas não trabalham nesses dias. Noites dos dias de semana são mais cheias do que as tardes pelo mesmo motivo. Dias chuvosos são menos lotados, pois ninguém gosta de tomar chuva. Existem muitas outras informações relevantes sobre dias específicos e em horas específicas que certamente vão contribuir para a decisão dos indivíduos.
Aqui chegamos a uma espécie de “looping”. O total de pessoas que vai ao parque de diversão depende da lógica das ações de cada pessoa. A ação de “ir ou não ir” ao parque depende das expectativa de quantas pessoas vão ao parque. A expectativa do total de pessoas que vão ao parque depende do modelo sobre o total de pessoas, o qual depende da lógica, que depende das expectativas, e assim sucessivamente. Se o narrador sabe que vive no mesmo modelo que os agentes da sua história, a expectativa devem, mais cedo ou mais tarde, ser consistentes com o resultado previsto pelo modelo, o qual incorporou essas mesmas expectativas. Isso precisa ser verdade, pois não faz sentido algum o narrador se colocar fora do próprio mundo. Qualquer bom modelo precisa levar em conta que as pessoas irão “saber do modelo” na hora de tomar decisões.
A Grande Lição
Professor Hilbert: Ninguém quer morrer, Harold. Mas, infelizmente, nós não podemos evitar. Harold. Harold, me escute: Você vai morrer, algum dia.. em algum momento. De insuficiência cardíaca no banco, engasgado com uma bala, alguma longa e arrastada doença que você contraiu nas férias. Você vai morrer. Você vai morrer com certeza. Mesmo que você evite essa morte... alguma outra o encontrará. E eu garanto que ela não será nem de perto mais poética ou significativa do que a que ela escreveu.
Harold: Não... Não...
Professor Hilbert: Harold. Me desculpe. (pausa) É a natureza de todas as tragédias, Harold. O herói morre, mas a história vive para sempre.
— Mais Estranho que a Ficção (2006)
A realidade é mais estranha que a ficção1. Falar sobre a realidade só é possível, pois você já está inserida nela e, por isso, toda história que você vai contar sobre ela precisa levar isso em conta2. Alguém que queira explicar alguma coisa sobre a realidade humana precisa se colocar na condição dupla de “narrador-personagem”. Dito de outra forma, você precisa sempre se perguntar o seguinte: Se você contar para o agente do seu modelo a lógica do seu mundo, ele vai se comportar como você esperava que ele se comportasse? Ao ser lembrado de sua mortalidade pelo narrador onisciente, Harold compreendeu o significado de sua vida no grande esquema das coisas e, de bom grado, acabou aceitando-o. Nesse momento, narrativa e as ações do personagem se integraram.
Em uma boa história, em uma história convincente sobre a realidade, isso precisa acontecer, afinal, o teórico da realidade nunca consegue sair dela. Enquanto teórico, você precisa entender que os agentes da sua história ou modelo são iguais a você. Eles são sujeitos, mas também são observadores. O economista Robert Lucas trouxe para a economia uma das lições mais preciosas sobre epistemologia e, por isso, a sua história é uma daquelas que nunca será esquecida.
E nem todas as histórias são tragédias.
Como explicou bem um filósofo: “Todo discurso gnóstico tem o problema da autorreferência. Ele não se explica a si mesmo. Ele acaba sempre sendo uma exceção a sua própria regra e isso mostra uma falha, uma ruptura básica na integridade da visão que o sujeito tem, e por isso mesmo não pode ser considerada doutrina filosófica, porque a filosofia é justamente a busca dessa integridade. Dessa integridade não somente na esfera do discurso, mas na esfera da ação e da conduta. Então se o sujeito é um filósofo e ele busca a explicação de alguma coisa, essa explicação tem que explicar ele também. Ele tem que estar inserido na sua própria explicação. Ele não pode ser uma exceção.”
Excelente texto!! Superou as Expectativas (racinonais), e qual a expectativa para o próximo?... mudou a percepção e o modelo econômico já.
Abraço.